Caros investidores, A invenção das máquinas a vapor, no final do século 18, iniciou um período de grande avanço na produtividade econômica que ficou conhecido como a primeira revolução industrial. Esse rápido progresso foi interpretado à época, simultaneamente, de duas maneiras completamente opostas: de um lado, uma esperança utópica de que o aumento de produtividade seria tão grande que as pessoas poderiam trabalhar menos e ter mais tempo livre para aproveitar suas vidas; de outro lado, o receio de que as máquinas substituiriam os trabalhadores e os lançariam ao desemprego e inevitável pobreza. Inclusive, essa segunda interpretação deu origem ao Ludismo, um movimento de trabalhadores que invadiam fábricas e destruíam máquinas na tentativa de impedir o avanço tecnológico que, supostamente, os levaria à ruína. Saltando dois séculos à frente, hoje há uma discussão com certa similaridade sobre o impacto que a inteligência artificial (IA) terá sobre o mundo. Os entusiastas enxergam o potencial de passarmos por uma nova era de avanço acelerado nos níveis de produtividade e consequente produção de riqueza material para usufruto da humanidade, e outros enxergam uma grande ameaça, indo ao extremo de prever um futuro apocalíptico onde máquinas controladas por IAs superinteligentes concluem que o mundo seria melhor sem a raça humana e decidem eliminá-la. Não somos especialistas no tema, mas é óbvio que o impacto dessa tecnologia será substancial, então nos parece pertinente acompanhar o assunto de perto, tanto para buscar identificar investimentos que poderiam ser beneficiados pelo avanço de IA quanto para permanecermos alertas ao potencial risco que a transformação que vem pela frente pode representar a determinados segmentos de negócios. Compartilharemos nossa atual visão, certamente incompleta e imperfeita, sobre os possíveis impactos da IA buscando sermos tão pragmáticos e realistas quanto atualmente nos é possível. Quaisquer críticas, divergências ou complementos são bem-vindos. O que é Inteligência Artificial atualmente? As ferramentas atuais de IA são baseadas em machine learning, um ramo de estatística computacional focado em desenvolver algoritmos capazes de autoajustar seus parâmetros, através de um grande número de iterações, para criar modelos estatísticos aptos a realizarem previsões sem utilizar uma fórmula pré-programada. Na prática, esses algoritmos analisam milhões de pares de dados (e.g.: um texto descrevendo uma imagem e a imagem descrita) e ajustam seus parâmetros da forma que melhor se encaixe nesse enorme conjunto de dados. Após essa calibragem, o algoritmo é capaz de analisar apenas um dos elementos de um par de dados similar e, com isso, prever o outro elemento (e.g.: a partir de um texto descrevendo uma imagem, criar uma imagem que se encaixe na descrição). Sem entrar na discussão filosófica de se essa mecânica de previsão a partir de modelos estatísticos equivale à inteligência humana, o fato é que esses modelos executam tarefas, até então impossíveis para um software, de maneira rápida, barata e melhor do que a maior parte dos humanos executaria. Por exemplo, uma IA chamada DALL-E gerou as seguintes imagens a partir da descrição: “um grupo diverso de economistas e cientistas da computação, acompanhados por um cachorro branco e marrom, tentando aprender sobre IA perto de um rio.” Notem que as imagens não são fotos. São totalmente criadas pela IA e possuem certas imperfeições que um pintor humano hábil não cometeria (veja as mãos das pessoas), mas são produzidas muito rápido, a um baixo custo e por uma tecnologia recém-lançada, que certamente ainda tem muito espaço para se aperfeiçoar. Outro exemplo notável é o Chat GPT, o chatbot lançado em novembro de 2022 que possui uma capacidade “quase humana” para conversar (em diversas línguas) e uma capacidade certamente sobre-humana para responder perguntas sobre uma enormidade de temas, derivando seu “conhecimento” da enormidade de conteúdos escritos disponíveis na internet. A ferramenta ainda tem algumas limitações. Por exemplo, as vezes produz informações falsas e a qualidade dos textos escritos, apesar de bastante razoável, não nos parece superar a habilidade humana (comparando com pessoas eruditas). De toda forma, é uma tecnologia inegavelmente impressionante, especialmente considerando seus poucos meses de uso massivo. Uma curiosidade é que as ideias por trás desses algoritmos não são novas. Elas surgiram ao redor dos anos 1960 e passaram por diversos ciclos de entusiasmo e desilusão na comunidade científica. O que fez com que essas novas soluções ganhassem popularidade e notoriedade foi o avanço do poder de processamento computacional, que permitiu aos algoritmos de IA o uso de conjuntos de dados suficientemente grandes para atingir taxas de assertividade boas o bastante para se tornarem realmente úteis. Usos potenciais de Inteligência Artificial Existem softwares criados para automatizar completamente tarefas que poderiam ser executadas por pessoas e softwares totalmente voltados para amplificar a produtividade humana em certas tarefas (por exemplo, o pacote Office). Inteligência Artificial é uma nova classe de softwares, também utilizada tanto para automação de tarefas quanto para amplificação da capacidade humana. Há, no entanto, uma diferença importante em relação aos softwares tradicionais. Softwares sem IA só podem executar atividades cujo passo a passo possa ser formalmente descrito e programado em expressões lógicas. Identificar se há um cachorro em uma foto, por exemplo, é uma tarefa impossível para um software tradicional, pela dificuldade de descrever o que é um cachorro em linguagem lógica e matemática. Em contraste, uma ferramenta de IA pode ser treinada a reconhecer cachorros quando mostramos a ela milhões de exemplos de fotos de cães. Após essa calibragem, ela será capaz de reconhecer cachorros em fotos inéditas tão bem quanto pessoas e muito mais rápido. Essa capacidade de reconhecer padrões em imagens, por si só, já é extremamente valiosa. Por exemplo, é muito provável que os médicos que hoje laudam exames de diagnóstico por imagem (raio-X, ultrassom, ressonância magnética, etc) sejam substituídos por softwares de IA que emitirão laudos mais rápido, com maior taxa de acerto e por uma fração do custo existente atualmente. Por um lado, isso pode ser visto como uma ameaça para a função dos radiologistas, mas é algo que potencializará o trabalho dos demais médicos, que passarão a receber quase instantaneamente os laudos necessários para definir como tratar seus pacientes. Outro uso muito provável é que IAs substituam as pessoas empregadas em atendimento a consumidores. Hoje, já existe amplo uso de chatbots em atendimento (você certamente já interagiu com um), mas a maioria deles é tão limitada que, em grande parte dos casos, o cliente ainda é transferido para uma pessoa. Logo, as ferramentas de IA atingirão um nível suficiente para oferecer atendimento melhor do que um humano, com conhecimento completo de todas as informações relacionadas aos produtos e serviços oferecidos por determinada empresa e paciência infinita para atender cordialmente qualquer cliente. A ameaça de desemprego em massa A atual tecnologia de IA permite a criação de ferramentas que atendam a um propósito específico, ou seja, que podem se tornar extremamente eficientes na execução de uma determinada tarefa, mas não são capazes de aprender tarefas de naturezas diferentes. O grande receio dos que advogam contra a IA é que essa tecnologia evolua para uma Inteligência Artificial Genérica (IAG.), um software capaz de aprender qualquer coisa que, uma vez criado, poderia evoluir para além da capacidade humana e substituir as pessoas em qualquer função cognitiva. No entanto, ainda não existe nada próximo à IAG e há um debate grande se um dia a humanidade será capaz de desenvolver algo assim. Na ausência de uma IAG superpoderosa, parece ser mais provável que o impacto da IA seja similar ao de outras tecnologias disruptivas que já surgiram na história. Por exemplo, antes de existirem computadores, toda forma de cálculo matemático era executada manualmente por pessoas. Atividades de engenharia e de pesquisas científicas empregavam um grande número de funcionários para fazer contas e revisar cálculos, em posições vistas como de baixo valor agregado. O surgimento de computadores eliminou completamente essa categoria profissional, mas amplificou enormemente a produtividade das pessoas que dependiam de cálculos em suas profissões e de forma alguma diminuiu a importância do conhecimento matemático. Essa mesma dinâmica pode ser usada em inúmeros casos de avanço tecnológico, mesmo em campos completamente diferentes. Hoje há máquinas agrícolas que tornam um só agricultor tão produtivo quanto centenas de pessoas trabalhando em uma lavoura não mecanizada. Em todos os casos, a ampliação da produtividade, através da redução do esforço humano necessário à tarefa, é obviamente algo bom. Outra obviedade é que a tecnologia, que desde o século 18 provoca em alguns o medo de tornar os humanos obsoletos, ainda não contribuiu muito para a redução da carga de trabalho exigida da humanidade. As pessoas ainda passam a maior parte de seus dias trabalhando para se sustentar, pois o padrão de vida médio aumentou muito ao longo do tempo e manter esse padrão exige mais esforço humano. Por exemplo, ninguém no século passado imaginava que acesso à internet seria considerado uma “necessidade básica”, mas garantir isso hoje exige redes gigantescas de fibra ótica, uma série de equipamentos de armazenamento e transmissão de dados funcionando ininterruptamente e bilhões de dispositivos eletrônicos para uso pessoal. Todas as tarefas envolvidas no amplo acesso à internet eram completamente inimagináveis há um século. À medida que mais e mais produtos e serviços são incluídos em nosso dia a dia, novos empregos surgem e a demanda por trabalho humano continua existindo. O Ciclo de Hype A Gartner, uma grande empresa de consultoria em tecnologia, criou uma representação esquemática de como as expectativas relacionadas a uma nova tecnologia evoluem ao longo do tempo. Na primeira fase, a tecnologia ganha atenção em torno de especulações sobre seu potencial, mas existe pouca clareza quanto ao seu potencial de uso ou viabilidade comercial. Em um segundo passo, experimentos começam a ser bem-sucedidos e é criada uma enorme expectativa em torno do potencial de transformação que a nova tecnologia trará ao mundo. Depois, as expectativas se provam não tão realistas, ou mais difíceis de se alcançar do que inicialmente imaginado, e a empolgação generalizada perde espaço para uma frustração coletiva diante das promessas não realizadas. No entanto, os problemas vão sendo superados aos poucos e melhores formas de utilizar as novas ferramentas vão sendo descobertas até que a tecnologia amadureça e entre em uma fase de produtividade e expectativas realistas. O gráfico abaixo representa esse ciclo. Hoje, nos parece que IA está em sua fase de pico de expectativas (hype). Todos enxergam um enorme potencial de maneira abstrata, mas ainda não sabemos até que ponto essa tecnologia evoluirá, quão rápida será essa evolução e quais aplicações serão economicamente eficientes a ponto de serem amplamente difundidas. Assim, é provável que muito do que se fala atualmente sobre IA tenha algumas pitadas de exageros e especulações. Geralmente, novas tecnologias levam vários anos para amadurecer e chegar no platô de produtividade, então o futuro da IA ainda é difícil de prever e maneira concreta e detalhada. Impacto de IA nos investimentos Por fim, o que sempre nos interessa: como esse tema pode interferir em decisões de investimento? Investir em empresas de IA é provavelmente uma ideia ruim neste momento, pois na época de hype os valuations das empresas na vanguarda do setor costumam ficar hiper inflados e é muito difícil prever qual empresa será a líder definitiva em seu segmento. Um ótimo exemplo disso é a história do Yahoo e do Google. O Yahoo foi fundado em 1994 e era o site de busca dominante até o início dos anos 2000, chegando a valer mais de U$ 125 bilhões em seu pico, mais valioso que a Ford, Chrysler e GM combinadas na época. Mesmo assim, o Google, fundado em 1998, venceu o Yahoo e se tornou o líder absoluto entre os sites de busca. Hoje, a OpenAI é uma das empresas com maior destaque no setor, devido ao sucesso do ChatGPT, mas é muito difícil prever se seu futuro será análogo ao do Yahoo ou ao do Google. Teses de investimento possivelmente mais interessantes poderiam ser encontradas buscando oportunidades entre empresas que são fornecedoras para o setor de IA, seguindo a máxima de que, “na corrida do ouro, ganha mais dinheiro quem vende pás e picaretas”. Também não é uma tarefa fácil pois, apesar de não ser necessário muito esforço para chegar à conclusão de que IA depende de datacenters robustos para armazenar e processar volumes massivos de dados, é necessário analisar cada setor de fornecedores para julgar se não passam por forte competição e riscos de disrupção tecnológica. Outra possibilidade é olhar para os setores que devem se beneficiar do uso de IA. Por exemplo, a indústria de música se beneficiou muito das tecnologias que tornaram possível gravar áudio e distribuir álbuns de músicas em discos, fitas, CDs e agora através de streaming. Algumas gravadoras se tornaram empresas multibilionárias devido à escalabilidade que a tecnologia trouxe a seus negócios. Da mesma maneira, certamente IA tornará possível que alguns negócios se tornem mais eficientes, escaláveis e rentáveis para seus acionistas. Tão importante quanto buscar identificar as empresas que se beneficiarão é entender para quais negócios IA representa um risco. Novas tecnologias podem destruir empresas, fato bem ilustrado pela história da Kodak, que foi fundada em 1888 e por mais de um século foi um dos nomes mais importantes no mercado de câmeras fotográficas e de filmagem. Quando a tecnologia de câmeras digitais surgiu, nos anos 2000, a Kodak foi mais lenta que seus competidores no desenvolvimento de novos produtos e acabou ficando para trás. Em 2012, a empresa decretou falência. Hoje, ainda estamos mais focados em detectar riscos relacionados à IA, especialmente para as empresas que temos em nosso portfólio, do que em desenvolver teses de investimento baseadas no progresso dessa tecnologia, devido à incerteza, ainda muito grande, em torno do assunto. No entanto, acreditamos que IA tem potencial para se tornar tão revolucionária quanto o surgimento dos computadores, da internet e dos smartphones e, por isso, é um tema que pretendemos continuar acompanhando de perto.
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